22/02/2010

A manhã do dia seguinte

Marta pensou em vociferar um “Ora, bolas!”, emendando com “Isto é um absurdo, até o Senhor?”, mas o fato foi que recuou, e por uns instantes, abatida e pulverizada pela firmeza do Senhor, recolheu o avental, e, sentada no canto da porta, foi capturada pelas palavras do céu proferidas na terra pelo criador do universo. “Na minha casa, na minha sala, agraciando-me os ouvidos, apascentando o meu coração, puxa, o Messias!, e eu, retardada, carregando bandejas ?”, falava de si para si na alvorada do dia seguinte.

Passados uns trinta minutos, o Senhor Jesus desejou completar os quitutes das irmãs, olhando para Marta, uma amiga querida, rendeu-se a arte da alquimia dos temperos e receitas de família. As irmãs eram artistas e invejadas na cozinha. “Nem só de pão o homem viverá ...”, sabiam, mas como ninguém é de ferro ... Marta, seguida de Maria, comandou e elevou ao grau máximo o dom da hospitalidade.

Quando a madrugada impôs seu silêncio, condição obrigatória para revigorar mentes e corpos, as irmãs encontravam-se na varanda ao lado da cozinha, olhando as estrelas, trocavam impressões sobre o que ouviram. Sabiam que entre pães, guisados, asinhas e vinho, teriam muito para destrinchar as palavras, os ensinamentos, os apontamentos e as dicas que Jesus entregara na tarde anterior. “Como era sábio? Que história era aquela de arder o coração enquanto discorria?” Maria, segurando a mão da irmã, confessava que não podia tirar os olhos de Jesus e que experimentara uma paz jamais sentida, classificando aquele encontro como puro deleite. Marta, veloz no pensamento, conectava as lições do Sermão do Monte com a vida real, já que Jesus repetira alguns trechos e, com grupo pequeno, pode vincular os ensinamentos com o cotidiano dos ouvintes. E ficaram em silêncio até alta madrugada, matutando, cada uma em seu universo.

Na manhã seguinte, bem cedo, Jesus e seus discípulos ganharam o mundo, deixando as irmãs acenando.

Marta, prática, a caminho da cozinha, decidiu que faria sempre as melhores escolhas dali pra frente. Em outra ocasião, jamais desprezaria as palavras encantadoras do Salvador. Lembrando do salmista, parafraseou: “Foi-me bom ter eu passado pelo vexame, para que aprendesse a tua graça” (Sl 119, 71).

Maria, poeta, experimentara na carne, na mente e na alma uma das maiores alegrias, sentimento de extrema felicidade: o desfrute, o deleite, a sensação mais aprazível. Sua certeza pétrea apontava para os olhos do Misericordioso, e recordava, não somente da voz, mas, também, de seu maravilhoso olhar. Desfrutou e gozou do manancial de paz, principalmente quando Ele repetiu: “... sou manso e humilde de coração... e encontrareis descanso para vossas almas.”

Naquela manhã, seguinte ao dia ímpar, Maria ficara em êxtase santo, porque seu coração não parava de ordenar à mente, que instantaneamente comandava o som de sua boca, bem baixinho, suave, mas de incontrolável repetição, suscitando-lhe prazer indescritível: “Rendei graças ao Senhor, porque Ele é bom... é bom ... é bom ... é bom...”

Revdo. Mauro Meneguelli

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