18/03/2011

A diferença

Caráter japonês transparece diante do desastre
Gavin Blair
The Christian Science Monitor

Após os abalos secundários que mexeram com os nervos da população já tão maltratada, em meio aos temores de uma nova desestabilização dos quatro reatores seriamente danificados na usina nuclear Fukushima Daiichi, agora o frio e a fome constituem uma nova ameaça para os moradores de Tohoku, região nordeste do Japão - uma das mais atingidas pelo terremoto seguido de tsunami que devastou o país há uma semana.
Mas em meio a toda essa destruição, escassez e desespero, o que transparece é o caráter do povo japonês, que permanece resolutamente respeitoso, honesto e consciencioso durante todo esse que é o mais sinistro dos tempos.
"Sentimos muito em dizer que não temos nenhum veículo para alugar no momento. Não tenho desculpas por não poder ser mais útil ao senhor", o funcionário de uma agência de aluguel de carros em Yamagata disse a um cliente coberto de neve.
Mas na verdade, ele teria muitas desculpas: Yamagata enfrenta uma grande escassez de combustível, alimento e eletricidade, ao mesmo tempo que vem recebendo refugiados vindos das regiões em torno dos instáveis reatores nucleares em Fukushima.
Baixas temperaturas. As temperaturas começaram a cair abaixo de zero esta semana e a neve cobriu toda a região, aumentando o sofrimento das centenas de milhares de pessoas que foram retiradas, muitas sem alimento, água ou abrigo, e trazendo mais privação para aqueles que não foram afetados diretamente pelo terremoto e o tsunami.
Embora a ansiedade predomine por todo o país em razão das múltiplas crises, mesmo na região de Tohoku é difícil ver alguma rachadura na estrutura das maneiras e civilidade que definem a cultura japonesa.
Histórias de saques e furtos, que costumam acompanhar os desastres em todo o mundo, não são ouvidas por aqui, são impensáveis.
A noção do "gaman", que significa suportar ou tolerar o que é insuportável, também tem um valor fundamental para o povo japonês; e esse traço de caráter que é manifestar consideração pelo próximo, mesmo em momentos de pressão, costuma sempre surpreender o estrangeiro.
Nas longas filas nos postos de gasolina e supermercados por todo o país, longe de Tóquio é raro ver pessoas falando alto ou perdendo a calma. Elas abrem espaço para outros carros passarem e ninguém tenta furar uma fila.
Mesmo entre os refugiados que chegaram há pouco ao Centro Esportivo da cidade de Yamagata, não há nenhum sinal de desordem, as regras são cumpridas à letra e a disposição no geral é grande.
Uma mulher falou da sua preocupação com o futuro dos filhos por causa dos vazamentos de radiação, mas disse que esperava poder reconstruir sua casa, arrastada pelo tsunami. O tom de sua voz e a sua atitude não traduziam a magnitude da experiência vivida ou a tarefa de reconstruir sua vida: ela bem poderia estar se queixando de uma viagem desagradável para trabalhar de manhã.
"Estamos esperando mil refugiados aqui e temos somente 4 mil refeições", contou Minoru Harada, funcionário da administração local atuando como diretor do centro de emergência.
Necesidade. "Não temos combustível suficiente e estamos mantendo o aquecimento aqui no centro no mínimo possível - faremos o que pudermos".
É o espírito de um povo que construiu essa terra superpovoada e sem recursos a partir das cinzas da sua devastação na 2.ª Guerra, transformando-a num dos países mais avançados do mundo.
Provavelmente será esse espírito que, mais do que qualquer outra coisa, ajudará o país a se recuperar de um dos piores desastres de que se tem memória.
 / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
Jornal O Estado de São Paulo -  18 de março de 2011