24/12/2017

Onde está o Menino ?



O povo que caminhava em trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz.
Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz.
Is 9, 2.6


Disseram-me que ele estava entre nós.

Intrigado com um trecho do profeta Isaías, quando lido no tablet de alguém ao meu lado no metrô, confesso, sem entender o motivo, razão outro raio qualquer, que a passagem ficou martelando na minha mente. Era uma manhã de domingo. Não mais um domingo qualquer.

Vagarosamente, comecei a recordar sobre o texto lido de soslaio. Sim, lá nos idos da infância, minha avó lia essas e outras nas noites de Natal. Lembro-me, agora, com todas as cores e sons, sobre o que, ano após ano, impressionava-me: Um menino nos nasceu ... um filho nos foi dado ...

Pois é, nessas bifurcações da vida, acabei tomando outra estrada: solitária, destituída dos símbolos familiares, das esperanças renovadas a cada época natalina, entre alegrias, comes e bebes.  Lembro-me de que o centro das atenções sempre era um Menino pobre, simples, mas incensado e cantado em prosa e verso, que catalizava as emoções e razões das gentes. Lembro-me de que a atmosfera do período impregnava a casa, bairro e cidade.

Sei não, talvez o motivo pelo qual eu tomei a estrada árida da vida seja por influência indireta e passiva dos meus pais: executivo de multinacional e professora universitária, ambos com dezenas de títulos. Lembro-me de que quando já adolescente nossa família apenas tangenciava as datas importantes da tradição, trocando gentilezas e felicitações protocolares.  Nunca mais reuni com todos os familiares. O Menino foi perdido ou banido das nossas conversas, imaginário e ritos.

Que coisa !  Agora, sem saber a razão, encheu-me o espírito e mente de curiosidade ou necessidade de ... procurar o Menino: olhos atentos, ouvidos aguçados e pernas pra que te quero, ou seja, subterraneamente, estava desesperadamente fugindo do meu vazio. O trecho do profeta, capturado pelos meus olhos curiosos, discorria sobre um povo em trevas, que estava abrigado sob sombras de morte. Caiu-me como uma luva.

Fui às livrarias. Nada ou quase nada. Como assim ? Onde estavam os escritores para nos recontar a história do Menino ?

Fui à catedral. Vi rito, cerimônia, faces circunspectas, protocolos e linguagens cifradas. Vi arte com gosto. Mas e o Menino ? Aquele lá de dentro estava distante e impessoal.

Fui às igrejas populares.  Vi cantoria mirabolante, êxtases e salvas para recolher ofertas. Muita autopromoção.  Mas e a exaltação do Menino ?

Fui ao shopping. Vi decoração vermelha e dourada. Vi gente correndo ensacoladas nos dois braços.  Perguntei ao bom velhinho, sentado entre crianças. Ele devolveu-me: Que Menino ? Qual é o nome dele ? Percebi que o bom e simpático velhinho era de outro mundo ou apenas um bom artista. O Menino não estava no templo do consumo.

Rodei a cidade procurando pelos presépios. Onde está a representação artística e criativa do Menino ?  Encontrei rodas de samba, pagodes e bebedeiras. avistei jogo de damas e carteados nas praças e a expectativa do feriado. O Menino não estava ali.

Entrei na papelaria, ávido por encontrar aqueles maravilhosos cartões de época.  Para minha desagradável surpresa, de fato, só encontrei mensagens açucaradas e a repetitiva frase: Boas Festas !  Ok, amo Chester, panetones e rabanadas, mas ... e o Menino ?

Comecei a aguçar mais os ouvidos, levantar as orelhas, olhar ao redor com radar afinado. Queria ouvir as linguagens e os desejos.  Estatísticamente, de vera, nunca houve tanta concordância, a frase que não queria calar era: “Paz, amor e saúde para você e família”.  E o Menino ?  E a mensagem que o Menino trouxe ao mundo ? Nada ?

Cansei. Sem entender direito, com a recordação vaga da infância familiar, onde o Menino estava vivamente presente, fui relaxar no banco da minha praça preferida.  Deixando a mente esvaziar, frustrado e sem entender, quase adormeci. Voltei ao estado de atenção e lucidez quando uma senhora, calma, doce, elegante, educada, polida, ofereceu-me um folheto-cartão. Agradeci. Percebi a qualidade e, sincera e instintivamente, talvez em milésimos de segundos, querendo retribuir a gentileza, convidei-a para sentar ao meu lado.  Minha surpresa: o cartão-folheto falava, apresentava e discorria sobre o Menino ! Uau ! Bingo ! Tal a minha alegria.

Perguntei-a se ela se importaria de me contar sobre a razão do nascimento do Menino. Ternamente, com ar, voz e expressão de vó querida, matou a charada, saciando meu coração por duas horas, mas que pareceram poucos minutos. Eis o Menino ! De verdade. Para minha surpresa, e jamais esquecerei, ela começou lendo:

Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus,
que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se;
mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.
E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!
Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra,
e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

Filipenses 2:5-11

Apresentou-me não só o nascimento do menino, mas toda a trajetória de vida e mensagem central, com e pela qual recordamos o seu nascimento.

O Menino estava tão perto e eu não o via. Por quê ?  Porque deixaram de apresentar o Menino, ano após ano, banindo-o das catedrais, presépios, canções, mensagens, corações e mentes.

Sem o maravilhoso nascimento do Menino, mesmo sem pompa e circunstância, não dissiparíamos as trevas desta porca existência, continuaríamos nas estradas erradas da vida e jamais experimentaríamos e permaneceríamos no amor incomensurável do Pai do Menino.

Ainda há tempo para reverter isso.  Viva o dia do Menino !


Feliz Natal !